SEM JOÃO: Quando o santo da festa é jogado na fogueira
Não deram nem uma pamonha pro bichinho levar, tadinho?
Tá sentindo?
É o cheirinho do amendoim torrando, do quentão borbulhando, da pipoca estourando, da pamonha cozinhando… é tempo de festas juninas! Para celebrar, ouça essa página de nosso cancioneiro enquanto lê ao artigo de hoje.
O São João…
Todos são bem-vindos a essa festa popular, inclusive os nossos irmãos dos 27% da população que é cristã mas não é católica. Mas, enquanto a maioria do país se joga na quadrilha [INSIRA MENTALMENTE O NOME DAQUELE POLÍTICO QUE VOCÊ NÃO GOSTA] e no pau-de-sebo [ô gente, vamo lavar direito], alguns de nossos irmãos evangélicos estão empenhados em tirar a idolatria da festa.
E resolver isso é relativamente fácil: é só tirar o nome do santo, visto como idolatria católica, e colocar outra coisa no lugar. Nos últimos anos, viralizaram duas festas de nome bastante [NOSSO JURÍDICO CENSUROU]: Sem João e Festa da Colheita.

É pra fazer rebranding de pé, igreja!
Esse nome “Sem João” parece aquele meme dos antílopes quando veem um Lopes, só que adaptado ao contexto junino brasileiro protestante.
E é realmente curioso imaginar se Jesus compareceria se fosse convidado para uma festa que celebra a ausência do João Batista. Justo do João Batista. Mas, tá bom então…

Festa da Colheita
O uso que algumas denominações dão de “Festa da Colheita” para substituir “São João” soa ainda mais pitoresco. Primeiro porque, vá lá, tem várias outras festas da colheita antiquíssimas espalhadas pelo Brasil, em vários outros meses, e que nunca tiveram esse contexto de “pula fogueira ioiô”. Tem a Festa da Colheita em Caxias do Sul em março, por exemplo, usando a estética da imigração italiana. Já em Sete Lagoas, há notícia de uma Festa da Colheita em setembro. E procurando bem você vai achar várias outras, pode confiar.
Em segundo lugar, por causa, justamente, da carga não-cristã da coisa. Pergunta pro seu primo da Wicca se ele já foi a alguma festa da colheita e ele provavelmente dirá que sim. “Festa da Colheita” exala mais paganismo que o Erre Pottey de biquíni de estampa gratiluz fazendo o quadradinho de oito num templo de Zeus, enquanto o Percy Jackson improvisa um beatbox de runa celta.
As festas juninas, inclusive a de São João, que é a mais famosa, derivam de antigas festas de colheita pagãs que a Igreja Católica despaganizou lá bem antes do guaraná com rolha. No hemisfério norte, essas festas ocorriam durante o solstício de verão. E quero ver quem é que não fica bem solstício depois de se embebedar de quentão de hidromel, né não!?
Então, tem até certa graça esse “retorno as raízes”, ainda mais com esse leve aroma de falta de conhecimento histórico.
Mas nem todo mundo…
É claro que a gente precisa fazer um disclaimer aqui que nem todos os nossos coleguinhas do cristianismo protestante têm essa implicância com a festa que celebra João Batista. Justo o João Batista. Muitos participam da festa sem polemizar, e tem igreja evangélica por aí que até faz suas próprias quermesses e usa o nome já consolidado de “Festa Junina”, pois não têm essa necessidade toda de menosprezar o João Batista. Justo o João Batista.
Vamos ver quem tem mais tinta
Pra fechar com chave de latão recicrado, é claro que a esquerda cirandeira acadêmica ia dar uma contribuição para melar a festa. Quem conhece sabe™ que essa dobradinha esquerda cirandeira acadêmica + cristianismo protestante fundamentalista já tem tentado melar o Halloween e o Carnaval há muitos e muitos anos. É o Pelé-Garrincha da estragação de festas.
Esse ano ficou muito famoso um artigo de 2023 em que um educador pede para não reproduzirmos os preconceitos com o povo caipira. Até dá pra concordar com isso de não pintar o dente de preto. Ninguém deve achar legal ficar sem dente. E até porque, né… quem nunca foi a criança que teve o dente pintado com rímel ou canetinha na marra, que atire o primeiro guspe preto (eca!). O problema é quando começa o academiquês que só o acadêmico entende.
as festas poderiam alcançar os demais aspectos da tradição, como o fenômeno do solstício, ancestralmente constitutivo desse ciclo festivo, o fogo, o mastro e a evocação do espírito da fertilidade.
Sim, queridos, é verdade que agora tem gente letrada em todas as faixas da população. Que bom. Mas cê tem que tá muito solstício das ideia pra querer obrigar o povo simples e ancestralmente constitutivo da roça a entender esse blá blá blá todo, né não!? É capaz disso daí menosprezar a população rural mais que uma dentadura inteira de dentes pintados de preto.
E antes de preparar para a grande roda, dá uma olhadinha nessa crônica do Pedro Doria. E se você não gosta do Pedro Doria, é só fingir que isso foi um correio elegante que você não quis receber.